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PAULO DA COSTA
( ANGOLA )
Paulo da Costa nasceu em Luanda, Angola e cresceu em Portugal.
Presentemente reside no Canadá.
Os seus trabalhos já foram galardoados com os prêmios James H. Gray Award para o ensaio, o Commonwealth First Book Prize for the Canada-Caribbean Region, o W. O. Mitchell City of Calgary Book Prize para ficcao e o Canongate Prize para o conto.
Como escritor bilingue a sua ficção e poesia estão representadas em diversas publicações espalhadas por cinco continentes.
Alguns desses trabalhos foram traduzidos para Italiano, Esloveno, Espanhol, Servo e Português. https://www.paulodacosta.ca
OROB0R0 revista de poesia e arte. Curitiba, PR Editores Eliana Borges e Ricardo Corona N. 1 - set./nov. 2004.
Ex. bibl. de Antonio Miranda
és a onda sonora
tacteias a profundeza dos sonhos
submersos pelos dias extintos
de olhos encerrados para balanço
conjugas os planetas e enumeras as estrelas
preferes esses dias que já não irradiam luz, noites
onde o microondas ainda não era pressentido
refugias-te no embalo
lacrimoso do pacífico
relembras a corrente do ventre
os sinos badalam
só te ajoelhas perante a terra e as ervilhas em flor
dentro da noite
sob o farol da lua danças com uma abóbora entre os braços
beliscas de acordas as favas adormecidas
para que saboreiem a ária da coruja e a doçura da tua língua
só te vestes para ate demolhares na banheira
e purificar uma ideia de civilização
que insiste em te ocultar dos pés ao pensamento
a luz do candeeiro de rua
dificilmente detecta
o corpo da mulher no seu trajecto para a ponte
apenas o seu cachecol de seda
esvoaça e emana um rasto de luz
mesmo a sombra lhe escorrega
do corpo como uma camisa de noite
enroscada aos pés
implorando-lhe que não
que braços não são asas
vive
entre Portugal e Canadá
touradas e hóquei no gelo
bacalhau e salmão
o que se traduz por um viver
itinerante e impertinente
vive
naquela nuvem de alta ou baixa pressão
naquele espaço impertinente
sem raízes e ervas daninhas
formas, identidades e pensamentos
reinventam-se com os ventos
materializam-se e evaporam-se
nas rugas do atlântico
vive
nessa nuvem sem bandeiras
onde os hinos soam a trovoadas
nem todos os teus dedos
são asas para o voo do beijo
que resiste descolar rumo ao destino
de lábios incertos
a imagem contém os traços
de tudo o que deseja morrer sem história
a água do paivô sussurra
trepo a encosta, encontro o sol
na vizinhança do tojo em flor
de sombra desfrutarei por toda a minha morte
contemplo o falcão que paira
alheio a qualquer pensamento
o tiro do caçador estilhaça o silêncio
fere-me os ouvidos
o eco amordaça a voz do riacho
e apressa-me o sangue
que reconhece as enormes distâncias
do desejo pelas veias tortuosas dos corpos
em breve a luz do dia foge, o chumbo
—com a cegueira dos fiéis portadores
de mensagens — entrega-se ao voo
irrompe do céu noturno
nos confins, para á de qualquer pensamento
uma estrela de asa rasgada despenha-se
o mocho pia
o grito faz ricochete na madrugada
viaja de encosta em encosta
em busca de quem o acolha
no canto do alpendre
a canga dos bois
apodrece em câmara lenta
enquanto a palavra: canga
veste o fato domingueiro
e acomoda-se no empoeirado
caixão dos dicionários
o homem senta-se à janela, escuta
o grito da borracha queimada
na passadeira, o rosnar de carros que lhe atropelam
os campos de milho até o shopping da cidade
faróis máximos cegam as estrelas
o coração badala
uma cadência de missa de sétimo dia
a língua ressequida reacende-lhe um desejo a figos
nozes
os dedos artríticos relembram o subir e
descer na escadaria da concertina
na mão, o homem aperta as sementes de milho,
suspira
espera o ténue gemer da porta a fechar-se
*
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Página publicada em novembro de 2023
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